literatura inglesa. George Orwell - 1984
ECOS DA LITERATURA INGLESA NO TRABALHO DE PAULA REGO
Paula Rego define-se como uma contadora de histórias, facto realmente visível através de toda uma estonteante intertextualidade capaz de abraçar campos vastíssimos que se estendem da literatura a expressões artísticas mais pictóricas. “Para pintar é preciso uma história”[1], diz a artista, facto sublinhado por Agustina Bessa-Luís no seu livro As Meninas (2001): “o desenho de Paula Rego é uma escrita”. No seguimento desta observação pode ter-se em conta Stephen Spender: “No decorrer do seu trabalho, os pintores aplicam e exercitam algumas das qualidades essenciais à boa escrita. Para além das mais óbvias, como o poder organizador da imaginação visual, observam (segundo a designação de Blake) o peculiar de cada instante (“Painters as Writers”).
Ao longo deste ensaio irei concentrar-me nos quadros de Paula Rego directamente influenciados por obras da Literatura Inglesa, num universo que se estende desde as canções de embalar até Thomas Hardy, J. M. Barrie, George Orwell, Jean Rhys ou Blake Morrison.
A dimensão política visível nos primeiros trabalhos de Paula Rego
Apesar de não se considerar uma pintora política[2] é visível todo um compromisso político no seu trabalho, facto mais do que flagrante em The Prole’s Wall (1984) – exposto em Lisboa, na Fundação Gulbenkian – baseado no romance de George Orwell Mil Novecentos e Oitenta e Quatro (1949). O quadro foi encomendado para uma exposição no Camden Arts Center em Londres, no ano de 1984.
Na sua distopía Orwell dramatiza os perigos do totalitarismo, produzindo simultaneamente um comentário acutilante à situação política da Europa não perdendo de vista a Alemanha Nazi, a Rússia e ainda algumas das ainda vigentes ditaduras europeias da época: a Espanha de Franco ou o Portugal de Salazar. Na verdade, Paula Rego teria já dado liberdade à sua expressão de rejeição perante o regime Salazarista no quadro Salazar Vomita a Pátria (1960).
Em The Prole’s Wall, o elemento pessoa aparece representado através de animais domesticados, criaturas sub-humanas subjugadas pelos seus donos. São proletários, como o próprio nome do quadro indica, representados como no livro de Orwell como uma classe sem posses. John McEwen explica que quando Paula Rego “começa a pensar nas imagens visuais relacionadas com a história de Orwell, lhe ocorre que esta classe proletária ao não saber escrever, por lhe ter sido negado o acesso à educação, encontra no desenho um veículo primário de expressão”.
Winston Smith, protagonista do romance de Orwell, funcionário do Ministério da Verdade (que corresponde na verdade ao Ministério da Mentira), é representado por Paula Rego como um urso de peluche, enquanto que O’Brien (a personagem que trai Winston e Júlia) é representado como um urso. Por sua vez, Júlia aparece como um cruzamento entre uma boneca e uma mulher. Existe entre Paula Rego e o autor de Mil Novecentos e Oitenta e Quatro uma partilha de cariz satírico no uso e representação de animais com intuitos políticos. Em Animal Farm (1945), uma fábula satírica sobre a Rússia Revolucionária e Pós-Revolucionária e sobre as revoluções em geral, Orwell transforma o porco num líder capaz de expulsar humanos para fora da quinta. Paula Rego descreve o porco como um dos seus animais preferidos.
Ambos partilham um compromisso de forte criticismo político para com a situação da Espanha dominada por Franco. Em Homage to Catalonia (1939), Orwell descreve a Guerra Civil Espanhola como a experiência política mais importante da sua vida.
Os quadros Iberian Dawn (1962) e Stray Dogs (The Dogs of Barcelona) (1965) criticam fortemente as ditaduras em Portugal e Espanha. John McEwen explica a génese de Stray Dogs: “Houve um relatório publicado no The Times que explicava o método usado pelas autoridades de Barcelona para se verem livres dos diversos surtos de cães vadios, método esse que consistia na distribuição de carne envenenada. Em The Dogs From Barcelona Paula Rego elabora uma espécie de equação entre a brutalidade desmedida desta decisão e tantas outras directivas igualmente duras tomadas pelas autoridades representantes das ditaduras de Portugal e Espanha”. Alberto de Lacerda também destaca a faceta ideológica e intervencionista de alguns dos trabalhos da pintora dizendo: “mesmo quando remetidos para experiências e cenários mais do domínio privado revelam um imensa revolta moral, social e política. É o caso dessa obra prima intitulada Stray Dogs. O quadro em questão (onde aparece a palavra Franco) começou por se chamar The Dogs of Barcelona, sendo posteriormente renomeado com o intuito de evitar problemas com os fascistas Portugueses” (McEwen, 77, 83).
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