Saturday, June 16, 2007

reconstrução histórica

Para mim o mundo é uma espécie de enigma constantemente renovado. Cada vez que o olho estou sempre a ver as coisas pela primeira vez. O mundo tem muito mais para me dizer do que aquilo que sou capaz de entender. Daí que me tenha de abrir a um entendimento sem baías, de forma a que tudo caiba nele.

José Saramago, O Jornal, Janeiro de 1983





no contexto blá blá

er o Memorial, as digressões do autor e as inquietações de suas personagens é, muitas vezes, ler os dias atuais e as nossas inquietações.

Logo, Saramago vale-se do outro, o Barroco, para dizer o este, ou seja, o presente.

Através de um texto plurissignificativo, com traços construtivos de procedimento alegórico benjaminiano, a realidade, no Memorial, é desmontada e reduzida a fragmentos e cada um destes fragmentos pode receber uma nova significação.

Esta disjunção entre o significado e o significante, entre o conteúdo que se expressa e a forma como se apresenta, é característica do procedimento alegórico. Para Benjamin, este procedimento poder ser entendido, e para Saramago ele pode ser utilizado, como expressão semelhante à linguagem e à escrita.

Em virtude desse procedimento é possível entender o Memorial como uma multifacetada representação do que é opressão e do que é busca da liberdade. Uma liberdade material e espiritual que se encontra idealizada em todas as épocas e que, em particular, no Memorial, permeia a vida de um corpus que, tipologicamente escolhido, representa toda uma sociedade, toda uma época.

Com o encontro de Baltasar e Blimunda o autor finaliza a narração. Porém, é então que, no íntimo do leitor, a história começa.



SARAMAGO, José, (1999). Memorial do Convento. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil.

Thursday, June 14, 2007

RUMO AO FAROL

Esta é a terceira vez que leio "to the lighthouse" da inglesa Virginia Woolf (1882 - 1941), considerado um dos clássicos da literatura moderna do século XX. Lembro que na minha primeira leitura, durante a adolescência e por recomendação de meu pai, não entendi absolutamente nada, o que era um fato bastante comum nos livros que ele recomendava. Hoje, passados alguns anos, avalio que devo ter chegado a 30% de aproveitamento. Quem sabe (tomara) ainda terei tempo para uma quarta tentativa.

A técnica utilizada neste romance é baseada no "fluxo de consciência" dos personagens, considerando também uma estrutura narrativa simultânea o que permite pontos de vista diferenciados e sequências de tempo alternadas (tempo psicológico). Os diálogos são poucos e simples, toda a ação ocorrendo portanto nas reflexões e sentimentos dos protagonistas o que leva a abordagens e significados diversos.

A linha de enredo é dividida em três etapas distintas. Na primeira, a família Ramsey recebe alguns convidados em sua casa de praia. Nesta fase, antes da primeira guerra mundial, vive-se uma atmosfera de felicidade ingênua na família. A Sra. Ramsey é o centro das atenções e a protagonista principal.

Na segunda etapa (durante a guerra) que é muito breve, a casa está vazia e prepara-se a transição para a terceira e última parte do romance que ocorre dez anos depois, após a morte da Sra. Ramsey e o término da guerra. Nesta fase final, ocorre o passeio de até a ilha do farol com os remanescentes da família em um clima de extrema melancolia.

literatura inglesa. George Orwell - 1984

ECOS DA LITERATURA INGLESA NO TRABALHO DE PAULA REGO

Paula Rego define-se como uma contadora de histórias, facto realmente visível através de toda uma estonteante intertextualidade capaz de abraçar campos vastíssimos que se estendem da literatura a expressões artísticas mais pictóricas. “Para pintar é preciso uma história”[1], diz a artista, facto sublinhado por Agustina Bessa-Luís no seu livro As Meninas (2001): “o desenho de Paula Rego é uma escrita”. No seguimento desta observação pode ter-se em conta Stephen Spender: “No decorrer do seu trabalho, os pintores aplicam e exercitam algumas das qualidades essenciais à boa escrita. Para além das mais óbvias, como o poder organizador da imaginação visual, observam (segundo a designação de Blake) o peculiar de cada instante (“Painters as Writers”).

Ao longo deste ensaio irei concentrar-me nos quadros de Paula Rego directamente influenciados por obras da Literatura Inglesa, num universo que se estende desde as canções de embalar até Thomas Hardy, J. M. Barrie, George Orwell, Jean Rhys ou Blake Morrison.

A dimensão política visível nos primeiros trabalhos de Paula Rego

Apesar de não se considerar uma pintora política[2] é visível todo um compromisso político no seu trabalho, facto mais do que flagrante em The Prole’s Wall (1984) – exposto em Lisboa, na Fundação Gulbenkian – baseado no romance de George Orwell Mil Novecentos e Oitenta e Quatro (1949). O quadro foi encomendado para uma exposição no Camden Arts Center em Londres, no ano de 1984.

Na sua distopía Orwell dramatiza os perigos do totalitarismo, produzindo simultaneamente um comentário acutilante à situação política da Europa não perdendo de vista a Alemanha Nazi, a Rússia e ainda algumas das ainda vigentes ditaduras europeias da época: a Espanha de Franco ou o Portugal de Salazar. Na verdade, Paula Rego teria já dado liberdade à sua expressão de rejeição perante o regime Salazarista no quadro Salazar Vomita a Pátria (1960).

Em The Prole’s Wall, o elemento pessoa aparece representado através de animais domesticados, criaturas sub-humanas subjugadas pelos seus donos. São proletários, como o próprio nome do quadro indica, representados como no livro de Orwell como uma classe sem posses. John McEwen explica que quando Paula Rego “começa a pensar nas imagens visuais relacionadas com a história de Orwell, lhe ocorre que esta classe proletária ao não saber escrever, por lhe ter sido negado o acesso à educação, encontra no desenho um veículo primário de expressão”.

Winston Smith, protagonista do romance de Orwell, funcionário do Ministério da Verdade (que corresponde na verdade ao Ministério da Mentira), é representado por Paula Rego como um urso de peluche, enquanto que O’Brien (a personagem que trai Winston e Júlia) é representado como um urso. Por sua vez, Júlia aparece como um cruzamento entre uma boneca e uma mulher. Existe entre Paula Rego e o autor de Mil Novecentos e Oitenta e Quatro uma partilha de cariz satírico no uso e representação de animais com intuitos políticos. Em Animal Farm (1945), uma fábula satírica sobre a Rússia Revolucionária e Pós-Revolucionária e sobre as revoluções em geral, Orwell transforma o porco num líder capaz de expulsar humanos para fora da quinta. Paula Rego descreve o porco como um dos seus animais preferidos.

Ambos partilham um compromisso de forte criticismo político para com a situação da Espanha dominada por Franco. Em Homage to Catalonia (1939), Orwell descreve a Guerra Civil Espanhola como a experiência política mais importante da sua vida.

Os quadros Iberian Dawn (1962) e Stray Dogs (The Dogs of Barcelona) (1965) criticam fortemente as ditaduras em Portugal e Espanha. John McEwen explica a génese de Stray Dogs: “Houve um relatório publicado no The Times que explicava o método usado pelas autoridades de Barcelona para se verem livres dos diversos surtos de cães vadios, método esse que consistia na distribuição de carne envenenada. Em The Dogs From Barcelona Paula Rego elabora uma espécie de equação entre a brutalidade desmedida desta decisão e tantas outras directivas igualmente duras tomadas pelas autoridades representantes das ditaduras de Portugal e Espanha”. Alberto de Lacerda também destaca a faceta ideológica e intervencionista de alguns dos trabalhos da pintora dizendo: “mesmo quando remetidos para experiências e cenários mais do domínio privado revelam um imensa revolta moral, social e política. É o caso dessa obra prima intitulada Stray Dogs. O quadro em questão (onde aparece a palavra Franco) começou por se chamar The Dogs of Barcelona, sendo posteriormente renomeado com o intuito de evitar problemas com os fascistas Portugueses” (McEwen, 77, 83).

Wednesday, June 13, 2007