JOSE SARAMAGO

"Era uma vez um Rei que fez a promessa de levantar um convento em Mafra.
Era uma vez a gente que construiu esse convento.
Era uma vez um soldado maneta e uma mulher que tinha poderes.
Era uma vez um padre que queria voar e morreu doido.
Era uma vez."
in Memorial do Convento, 22ª ed., Lisboa, Editorial Caminho, 1994.
Jornal de Letras, Lisboa, ano V, nº 190 de 25 de Fevereiro a 3 de Março de 86.
Memorial do Convento serviu de base a uma ópera, Blimunda, com música do italiano Azio Corghi, estreada em Milão em 1990 (em Portugal, em Maio de 1991) e serviu de tema a um debate realizado em Itália: Viaggio interno al Convento di Mafra, moderado por P. Ceccucci, Guerini, Milão, 1991.
- Na história, a importância máxima do rei e da rainha está centrada na da necessidade nacional em produzir um herdeiro.
- Pelos fluxos de consciência, o narrador envolve o leitor nos quados históricos, se esquecendo da ficção.
Saramago vai combinando elementos e ambientes e vai criando uma releitura do passado histórico em meio de uma ficcão. Dá uma característica barroca ao romance, mostrando dualidade de comportamentos da Corte e da Igreja e o sofrimento do povo, que percebe as injustiças sociais.
....... Ele usa também a dualidade barroca em confrontos como da passarola e a pedra gigantesca que centenas de homens arrastam para a construção do convento. Opõem- se a leveza, vôo, sonho, liberdade, etc a peso, imobilidade, escravidão, sofrimento, doença e outras coisas que caracterizam a construção do convento.
A importância desse livro fica assim, quase mais do que um documento histórico, porque sem negar a história, mostra o que foi escondido nos relatos de Portugal. É considerado por alguns críticos como romance de metaficção historiográfica.
É um romance de leitura atenta e subjetiva que através do humor e ironia vai provocando uma aproximação da história de uma forma crítica, pois na medida em que vai problematizando as situações, vai automaticamente discutindo os elementos descritivos. E muito interessante é que o narrador não omite os acontecimentos históricos.
Saramago introduz elementos novos e maravilhosos na narrativa. Os personagens que ele introduz vão representar as figuras das mudanças futuras, o contraponto entre o acontecido e a reflexão que se pretende.
(acrescentar na foto)
Vai dessacralizando o passado e por meio de recursos expressivos, usando humor e ironia, dá ao romance extrema originalidade e possibilidade de se questionar a história real.:
Blimunda e Baltasar constituem parte da ficção do romance, ao lado de Padre Bartolomeu de Gusmão, juntos estes formam a Trindade Terrestre. A primeira personagem, figura mítica, humana, mas que deveria pagar pelo erro de ter nascida de uma mãe com poderes metafísicos; Baltasar , que teve sua mão perdida em favor da pátria e não ficou contente com isso...; Padre Bartolomeu, com um sonho de construir uma máquina voadora. Tudo isso em meio a um ambiente de tramas e conflitos envolvendo os nobres e o clero, no domínio e no contraponto, os trabalhadores, dominados, descontentes.
Há um triângulo central formado pelos personagens do romance e Padre Bartolomeu representa a figura central. O padre convence Baltasar a participar do projeto de confecção da passarola e dá à Blimunda condições para aplicar o dom de magia de que ela era possuidora na construção da mesma. Por ser liberal, o padre foi perseguido pela Inquisição, sob a alegação de que nutria simpatia por cristãos-novos. Para não ser preso, apressou a estréia de seu invento, provando sua eficácia ao voar até as proximidades de Mafra; a seguir fugiu para a Espanha, onde teria morrido num asilo de loucos.
Domênico Scarlatti, outra figura histórica, foi compositor italiano, com a música de seu doce cravo, Scarlatti, pelas mãos de Saramago, consegue curar Blimunda de uma enigmática doença, possibilitando que ela continuasse a dar sua imprescindível contribuição ao projeto da passarola.
Mutilado na guerra pela sucessão do trono espanhol, em um conflito que não tinha nada a ver com Portugal, Baltasar Mateus, o Sete-Sóis, é um camponês que encarna o protótipo do pária social. Participa da sociedade apenas enquanto serve como instrumento de manipulação de uma elite inconseqüente. Sua marginalidade manifesta-se tanto na condição de ex-soldado como na de "boeiro", único ofício que sua limitação física permitia desempenhar, conduzindo carros-de-boi durante a construção do convento de Mafra. Nos intervalos, Baltasar integrava o grupo que construiu a passarola, desempenhando com habilidade e competência a função que lhe fora atribuída pelo padre Bartolomeu.
A parte histórica do romance, entre ambientes e feitos intencionalmente relatados, estão o rei D. João V, a rainha Maria Ana, por ocasião da construção do Convento de Mafra, história da guerra da sucessão ao trono da Espanha e flashes da Inquisição. Nesses episódios, o autor revela num estilo entre o irônico e o humor, fatos que a história não contou e com isso faz com que o leitor mergulhe mais na história do que na ficção e com isso ele vai documentando uma fatos e situações do século XVIII:
Coloca D. João V brincando de armar uma miniatura de São Pedro de Roma, sem nenhum esforço físico, " El-rei tem na sua tribuna uma cópia da Basílica de São Pedro de Roma que ontem armou na minha presença". O autor ironiza a figura do rei e questiona o fato de D. João V ter entrado para a História como o construtor do convento de Mafra.
Ridiculariza a figura da rainha D. Maria Ana ao apresentá-la ocupante de uma cama infestada por percevejos, "Em noites que vem el-rei, os percevejos começam a atormentar mais tarde por via da agitação dos colchões...lá na cama do rei estão outros à espera do seu quinhão de sangue...".
É difícil dizer o que é mais interessante no livro. O narrador usa fluxos de consciência induzir a visualização dos cenários, usa a personagem Blimunda, muitas vezes através de sua vidência, como seu porta-voz:
Tal como nós não sabemos bastante quem
somos, e, apesar disso, estamos vivos, Blimunda,
onde foi que aprendeste essas coisas, Estive de olhos
abertos na barriga da minha mãe, de lá via tudo.
(p.289)
Blimunda fala dos piolhos que cata nos cabelos de Baltasar, no mau cheiro e sujeira de Lisboa, nos percevejos... Com isso o autor vai mostrando e comparando, através de Blimunda, a existência do poder natural do homem, a força da vontade. – Nesse sentido, o romance tem uma colocação muito interessante: Blimunda é vidente e consegue reconhecer e recolher vontades; estes fragmentos, reunidos, vão dar força a quem os têm para vencer a condição de subalternidade.
No plano de expressão uma oralidade que lembra as antigas epopéias.
é o (des)uso da pontuação normativa, ou seja, substituindo pela vírgula e ponto-final todos os outros sinais de pontuação, o autor consegue "destravar" o texto e permitir ao leitor uma maior participação na leitura à medida que este se vê, a todo momento, colocando travessões, pontos de interrogação e de exclamação, aspas e todo o mais que incorra a uma melhor intelecção do que está sendo lido.
Usa também um estilo sem muita pontuação, com parágrafos longos com sensações de fluxos de consciência.
em MC, as trangressões ocorrem tanto no nível do....
Excertos da obra, comparados com fatos históricos de Portugal
- A construção de um convento em Maffra e a infertilidade da rainha:
(..) dona Maria Ana Josefa, que chegou há mais de dois anos da Áustria para dar infantes à coroa portuguesa e até hoje não emprenhou, (...)
- O comportameto do clero:
(...) a fé não tem mais que responder, construa Vossa Majestade o convento e terá brevemente sucessão, não o construa e Deus decidirá.(p.11)
- As festas religiosas em Portugal promovia uma euforia coletiva. Davam vazão aos desejos recalcados do povo:
“ Mas esta cidade, mais que todas, é uma boca que mastiga de sobejo para um lado e de escasso para o outro, não havendo portanto mediano termo(...) Porém, a Quaresma, como o sol, quando nasce, é para todos. (p.25)”
- A relação entre Baltasar e Blimunda, em comparação com o casal real, é fundamentalmente transgressora: à guisa de casamento, o que os uniu foi o simbolismo de uma colher compartilhada ..
(...) e... esperou que Baltasar terminasse para se servir da colher dele,...
era como se ...Aceitas para a tua boca a colher de que se serviu a boca deste
homem,.... (p. 49)
...........
Entraram com el-rei dois camaristas que o aliviaram das
roupas supérfluas, e o mesmo faz a marquesa à rainha,
de mulher para mulher, com a ajuda doutra dama, condes-
sa, mais uma camareira-mor não menos (...)
- A condição de maneta também é discutida por Padre Bartolomeu que, no Memorial, iguala, hereticamente, Baltasar a Deus, quando argumenta que:
...maneta é Deus, e fez o universo ... que está a dizer, padre Bartolomeu Lourenço, onde é que se escreveu que Deus é maneta, Ninguém escreveu, não está escrito, só eu digo que Deus não tem a mão esquerda, porque é à sua direita, à sua mão direita, que se sentam os eleitos, não se fala nunca da mão esquerda de Deus, nem as Sagradas Escrituras, nem os Doutores da Igreja, à esquerda de Deus não se senta ninguém , é o vazio, o nada, a ausência, portanto Deus é maneta. Respirou fundo o padre, e concluiu, da mão esquerda. (Saramago, 1999, p.65)
5. Os excertos metafóricos e as possibilidades alegóricas
No Memorial do Convento, o narrador, sugestiona o leitor a visualizar
A transgressão do discurso
A dicotomia do ver e do olhar instaura-se aí numa amplitude que se estende à totalidade do romance e antecipa o seu desenvolvimento em romances posteriores.
(...) porque este é o dia de ver, não o de olhar, que esse pouco é o
que fazem os que, olhos tendo, são outra qualidade de cegos. (p.70)
Logo, é possível verificar no Memorial que o trabalho conferido à linguagem é utilizado não para alcançar simplesmente efeitos ornamentais, mas sim para comprometer o romance com a estética que o orienta.
O romance preenche as lacunas da história é a maneira pela qual o padre convence Baltasar a ajudá-lo. Ele utiliza o texto bíblico no seu discurso de convencimento. (p.59)
Queres tu vir ajudar-me, perguntou. Baltasar deu um
passo atrás, (...) sou um homem do campo, ... e assim como me acho, sem esta mão, ...
Com essa mão e esse gancho ...e há coisas que um gancho faz melhor que ... e eu te digo que maneta é Deus, e fez o universo (...). (p.59)
Desde o século XVII os franciscanos tentavam arrecadar fundos para a construção de um convento na vila de Mafra. A oportunidade vem quando, após três anos de espera infrutífera, o rei aceita a sugestão de Frei Antônio e decide mandar construir o convento caso Deus permita que lhe nasça um herdeiro:
(...) a fé não tem mais que responder, construa Vossa Majestade o convento e terá brevemente sucessão, não o construa e Deus decidirá. (p.11)
(...)que a rainha, provavelmente, tem a madre seca(..) insinuação muito resguardada de orelhas e bocas delatoras (..) a culpa ao rei, nem pensar, (..) a esterilidade não é mal dos homens, (p.9)
2.1 A trangressão do poder:
O arrebanhamento dos homens para a construção do convento, a fim de concretizar o sonho do rei:
Deve-se a construção do convento de Mafra ao rei D.
João V, por um voto que fez se lhe nascesse um filho,
vão aqui seiscentos homens que não fizeram filho
nenhum à rainha e eles é que pagam o voto, que se
lixam, com o perdão da anacrônica voz. (p.224)
Um outro dado importante para a dinâmica do romance é a Guerra de Sucessão pelo trono espanhol. É nela que Baltasar perde a mão esquerda, sendo por isso dispensado do exército.
(inserir)
Foi acima de tudo uma guerra mercantilista entre potências econômicas pela primazia comercial nas colônias ultramarinas. A ausência de herdeiros detonou a guerra em 1704 e durou oito anos. De um lado a Inglaterra, a Holanda, a Alemanha e Portugal, apoiando o arquiduque Carlos, filho do imperador Leopoldo da Alemanha, do outro os franceses e os espanhóis que tinham a garantia legal de um testamento que dava a Felipe, neto de Luís XIV, o trono vago.
Por fim , o último referente histórico é a própria Inquisição, que além das
heresias, a Inquisição também perseguia a bigamia, a homossexualidade e a magia, tendo muitos inocentes sido supliciados devido à acusação de bruxaria.
O auto-de-fé e suas penas ....
Na procissão semi-orgíaca da Quaresma o êxtase religioso e o erótico confundem-se e excedem-se. Ao mesmo tempo, é através da descrição das festas religiosas que
O narrador relata a hipocrisia, a luxúria e a libertinagem na qual o clero secular e regular vivia em Portugal, usando imagens da procissão da Quaresma misturando a ela o religioso e o erótico.
..............................................PAREI AQUI
-------------------EXTRAS – CORTES
O romance fica entre a história e a ficção, transformando D.João V e a rainha Ana de Áustria em caricaturas para poder, na edificação de Mafra, elevar um herói colectivo e anónimo – os milhares de trabalhadores e no plano da ficção relata a construção da da Passarola, sonho de Blimunda, Baltasar , personagens ficcionais e Bartolomeu Lourenço, figura histórica do tempo.
Há no romance marcas do discurso oral, jogando com efeitos irônicos e humorísticos e entrelaçando os discursos (como Camões) e muitas vezes se aproxima do estilo barroco.
Ás vezes, ao longo do romance o narrador transveste-se a cronista, volta a narrador, ora como autor-implícito, dando voz aos personagens. Isto torna a obra muito interessante
José Saramago, escritor português do modernismo, prêmio Nobel de Literatura, pela belíssima obra Memorial do Convento, romance contemporâneo, de 1982.
Tornou-se o escritor português contemporâneo mais conhecido no mundo: Memorial do Convento (1982), a Jangada de Pedra (1986), A Jangada de Pedra (1986), O ano da morte de Ricardo Reis (1987) e O Evangelho segundo Jesus Cristo (1991).
Sua experiência literária, ligada inicialmente ao Neo-Realismo, evoluiu progressivamente para o Experimentalismo narrativo, explorando recursos como a intertextualidade e a paródia para promover uma revisão crítico-irônica da História portuguesa e universal. Sua produção parte de contextos que vão desde a Idade Média em Portugal até os conflitos do homem urbano contemporâneo na virada do milênio.
Sua obra leva a uma reflexão sobre temas universais e atemporais, como a dominação ea a manipulacão da política por parte dos poderosos, a participação do povo na construção da História, as barreiras que se opõem aos mais profundos sentimentos humanos, como o amor e a solidareidade, a falta de consciência do homem, sua incomunicabilidade, a solidão, o sentido da vida e da morte.
Homem de esquerda, diferenciava-se sobretudo pela inteligência ágil, instigante, e pelo requintado espírito de urbanidade.
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